segunda-feira, 23 de março de 2009

Bajado, um artista de Olinda

"O nome já parece uma pincelada larga e definitiva. Trincha que vai direto da lata de tinta para a parede: Bá-já-do! Presto! Os passistas desmancham-se ladeira abaixo, trocistas e desconjuntados, angulosos e também recurvos, caras que já vimos na esquina da barbearia, na mesa do boteco, na gafieira de Amaro Branco.
Ah! que pintor de sorte, ter feito a escolha da cidade que o ama. Tudo fica mais natural. Não faz caretas de esforço para pintar o homem da rua ou as letras da Loja Azul ou Verde ou Vermelha.
Sua perspectiva é dos rés da calçada ou, do máximo, da altura dos quatro degraus que o levam à janela-mirante da Rua do Amparo. Perto. E direto.
Livrou-se, portanto, do vôo do pássaro raro, livrou-se de ser pintor primitivo de festa de Embaixada, com calça de veludo e cachecol de seda.
Livrou-se também, da corte desnecessária à cidade-tema. Ela se dá à ele de graça, com todos os seus desvãos e suas talhadas de sol e mar.
Pode envelhecer com otimismo e admiração, aceitando com humor naturalíssimo as reverências que lhe fazem intelectuais, gente de arte, poetas, pintores, escritores e afins, políticos e mais políticos.
Há, também, seu drama de igual do povo, sua vista cansada e exigida, seu dinehiro curto e ocasional. Nunca o vi amargar-se disso. Nunca vi uma queixa sua tingir de mágoa um quadro ou uma parede. Não deixaram os bois de serem cômicos, os porcos de serem redondos, a mulata de ser gostosa, o time do Santa Cruz de ser vitorioso.
Viva Bajado!
Viva sua saúde brasileira!"

João Câmara

Olinda, setembro de 1985


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